Acordo. Procuro novamente o
despertador. Vejo que novamente são três da manhã. Mais uma noite a acordar por
volta desta infame hora. Que mal fiz eu? Porque tenho de acordar? Porque não
posso dormir? Vivo agitada nas intermitências dos meus sonhos. O arrependimento
conquistou a minha alma. Vivo inquieta com a cama vazia por não o ter comigo.
Não consigo dormir. Sinto falta. Falta de tudo. Do olhar. Do abraço. Da cama
quente. Dos corpos suados envolvidos um no outro. Dos lábios. Da amizade. Sinto
falta dele.
São várias as noites que me
pergunto o porquê. Porquê? Estou inquieta. Não me sinto em paz. Culpo-me pelo
resultado. Culpo-me porque podia ter feito mais. Podia ter aguentado. Podia não
ter gritado. Podia ter-me entregue mais vezes. Agora que não o tenho... sinto a
sua falta. Sinto falta do erotismo... sinto falta da sensualidade... sinto
falta quando os seus lábios percorriam o meu corpo e me diziam "eu sou
teu". Como eu quero ser tua... Ainda sinto que sou tua! Sofro de
arrependimento por tudo o que correu mal. Culpo-me por tudo que não fiz para te
ter. Para continuar do teu lado. Para te amar... mais. Quero voltar a sentir.
Quero voltar atrás!
Procuro o telemóvel porque
preciso de ti. Onde estão as tuas mensagens? Onde está a vontade de me
conquistar? Juraste ficar do meu lado, prometeste envelhecer comigo... porque
não cumpriste as tuas promessas? Teria dado tudo por ti. Tudo! Teria-me
entregado de corpo e alma. Teria-te saciado a fome sempre que quisesses. Teria
sido a tua mais que fiel e leal amiga e companheira. Amante. Amante
arrebatadora. Mas agora... agora vivo na intermitência do sonho. Não durmo...
não como... sinto a vida em suspenso!
Condenaste-me a viver fora de mim
própria. Não encontro forma de continuar em frente. Sofro amargamente. Sofro
por ti. Pelas tuas lembranças. Sofro porque não tenho aquilo que quero. Só
quero poder voltar atrás. Só quero voltar a tocar-te... A passar a mão pelos
teus cabelos. A tocar as tuas costas com o meu peito. A cruzar as minhas pernas
sobre o teu corpo. A prender-te junto de mim. Quero ser tua. Quero todas as
promessas não cumpridas. Quero que voltes. Quero que voltes para mim. Anseio
por ti. Todos os dias... em todas as horas... quero tanto ter-te do meu lado.
Preciso tanto do toque da tua pele... Quero-te. Quero-te para poder dormir.
Quero-te para me sentir completa. Quero-te para me sentir feliz. Viva.
Confiante comigo mesma! Dá para entender o quanto sofro por ti? O quanto a tua
ausência me destruiu? Quem és tu para teres o direito de me deixar? Quem és tu
para teres o direito de me sentenciar? Decides que acabou e acabou mesmo?
Decides que queres partir e partes mesmo? Não prometeste que estaríamos juntos
para sempre? Não prometeste que eras meu? Só meu? Porque foges então? Cobarde!
Porque não respondes? Mentiroso! Traíste-me! Traíste-me!!! Levaste o melhor de
mim... Quiseste dar-me tudo e nada me deixaste... Porque me traíste? Porquê!?!?
Porque não foste capaz de te despedir? Nem um último beijo... Nem uma última
palavra... Porque foste tu tão cruel? Porquê eu... Porquê?
O tempo passa... o relógio tem
fome de mim. Da minha alma... Vivo com a mais amarga das penas... Perdi-te.
Para sempre. Não mais serás meu. Não mais visitarás esta cama. Não mais
segurarás a minha mão e poderás dizer que eu sou tua. Isso tudo acabou... e
acabou porquê? Para quê? Tirano! Besta! Mais uma noite em que tu não estás e me
fazes chorar... fazes-me chorar... porque não te tenho! Porque já não
aguento... porque a dor é tanta que me consome... Preciso de descansar... pelo menos
esta noite! São tantas as noites sem dormir... são já muitos os dias sem
respirar... sinto-me sufocada. Sufocada na dor! No arrependimento! Porquê eu?
Porquê? As lágrimas escorrem-me pela face sem as conseguir controlar. Soluço ao
ponto de nem conseguir respirar. Perdi tudo. Tudo! Quando te foste. Não há mais
razões para viver. Não consigo viver mais sem ti. Levanto-me da cama.
Procuro-te. No escuro, não te encontro. Onde então? Estarás aqui? Será que
voltarás? Traidor, responde! Traíste todos os juramentos que me fizeste! Todas
as promessas! Todas! Porque és tão cobarde? Porque me enganaste? Onde te
escondes traidor? ONDE?! Grito. Depois do grito vem o silêncio... a minha
respiração não pára. Sinto-me ofegante. Consumida pela adrenalina. O que quero
eu? O que vou fazer? Estou a enlouquecer! O traste levou-me tudo. O safado
enganou-me! Maldito sejas homem! Maldito por tudo aquilo que levaste! Até o
sono. Até o meu conforto. Nada tenho. Nem o meu bem estar... Porque não me
deixas ao menos dormir? Porque invades os meus sonhos... porque sussurras aos
meus ouvidos? Porquê?
Deambulo pelo quarto escuro.
Procuro acalmar-me. Apenas a luz da lua forte por entre as pesadas cortinas do
meu quarto. São elas que forram as minhas janelas. São elas que impedem que veja
o mundo. São elas que me impedem de respirar. Preciso de respirar. Preciso de
viver! Corro para as cortinas e deito-lhes a mão. Procuro, num ápice, abri-las
para te procurar. Quero-te ver uma última vez. Deixa-me dormir hoje em paz.
Nada mais peço. Nada mais... deixa-me ficar com as doces lembranças. Deixa-me
lembrar-te de quando fazíamos amor. Deixa-me ficar com o sabor da tua língua
quando percorrias a minha boca... deixa-me ficar com tudo o que me deixaste de
bom... todas as doces memórias... em que todas as vezes me dizias que me
amavas... deixa-me ficar com tudo o que me prometeste... deixa-me ser feliz...
deixas, meu amor? Por favor...
Agarro-me a mim própria
entrelaçando os braços sobre o meu tronco. Sinto a pele fria... as lágrimas
escorrem-me pelo rosto. Estou nua em diante de uma janela fria. Só tenho a lua
brilhante no horizonte. O vazio é um pesadelo. Estou aqui, pronta para te
receber... uma última vez! Não percebes? Não percebes que eu sou tua? Não
percebes que eu queria cumprir todas as nossas promessas? Ser feliz contigo?
Fazer-te feliz? Dar-te uma família? Porque me deixaste? Porque me abandonaste?
Porquê? Porquêeee?!!!!!?
Já se faz tarde... e esta é mais
uma noite sem dormir. Não consigo ir trabalhar amanhã. Não consigo reagir como
uma pessoa normal. Não consigo pensar! Estou apenas cansada... muito cansada...
Não sei se não seria melhor acabar com a minha vida. Já pensei tantas vezes
nisso... agora que nada faz sentido... tirando tu. E a tua memória. Quero
voltar para ti... quero que voltes para mim... mas como? Como podes voltar para
mim? Quando foste tu que partiste... Que me deixaste... preciso de ti tanto...
mas tanto... e tu... que me abandonaste... pensaste nestas consequências?
Pensaste que poderias afetar-me assim tanto? Este devia ser o teu plano! Lá por
não seres feliz... lá por não te sentires feliz comigo... havia direito em
acabares com a tua vida!? Porque te deixaste levar? Porque bebeste naquela
noite? Porque te meteste dentro de um carro que acabaria com o nosso futuro?
Não bastou acabares com a tua vida... terias também de acabar com a minha?
Choro... mais uma vez... choro compulsivamente. Não consigo dormir. Preciso de
ajuda. Começo a remexer em tudo. Onde estão? Onde estão? Preciso deles.
Sinto-me desesperada. ONDE ESTÃO!?!?
Grito. Exteriorizo a minha dor.
Sinto-me louca. Procuro desesperadamente a saída para a minha dor. Procuro a
salvação. Remexo, abro, fecho, reviro todas as gavetas do meu quarto. Eles
estão escondidos. Desde a última vez... eles estão escondidos. Eu sei que
sim... Eu escondi-os de mim. Porque na última vez foi por um triz. Foi mesmo.
Mas agora preciso deles. É desta. Acabou-se tudo. Eu quero-os tanto. Quero-os
tanto como te quero a ti. Sempre te quis muito. Muito! E agora quero-te mais.
Quero ir para junto de ti. Ajuda-me meu amor... ajuda-me... acaba com a minha
agonia! Eu sei que os escondi... mas onde? Eu estava tão bêbeda... bebi tanto
naquela noite... queria esquecer-me de tudo... de tudo... e bebi... bebi... e
só pensava em tomá-los a todos. Um a um... ou de mão cheia... mas não fui
capaz... num último rasgo de consciência sei que agarrei neles e os guardei!
Mas onde? Onde os guardei? Porque não me lembro agora? RAIOS!!!! A minha vida
não presta.... que merda de cabeça a minha! Porque bebi tanto naquela noite?
Porque tive de acabar a garrafa? Onde estão? Aqui? Não, não, não... aqui já
vi... ainda à instantes! Já sei onde! Já sei onde! Só podem estar... só podem
estar junto das coisas dele! Meu amor... ai meu amor! Eu vou já ter contigo.
Estou decidida! É hoje. A minha agonia vai terminar.
Dirijo-me ao guarda-fato. Sinto a
minha pele arrepiada da excitação. Ou será do frio? Não sei. Não quero saber.
Mas ligo a luz do quarto. Vislumbro a cama vazia outra vez. Olho-me ao espelho
partido por cima da minha cómoda. Ali me vi... tantas vezes... com ele.
Abraçando-me. Dizendo que nada me faltaria. Que eu era dele. Que ele era meu.
Tantas vezes me vi ali. Com ele. Dois corpos nus enrolados na cama. Celebrando.
Celebrando um amor perfeito. E agora nada... nada... Apenas o vazio. Apenas o
vazio e eu. Uma alma errante num corpo débil... com as marcas de quem já se
cortou... Com as marcas das feridas de quem já perdeu o peso que podia ter
perdido. Não me conheço. Também já não importa. Levaste-me tudo quando partiste.
Levaste-me o orgulho. Levaste-me a minha alma. Levaste-me tudo... e apenas me
deixaste a dor. A dor do vazio e da ausência. Porque fui tão estúpida? Porquê?
Culpo-me tanto... tanto... tu eras tudo para mim. Mas vai terminar agora. Eu
sei onde eles estão!
Estico o braço. Abro as portas.
Vislumbro a caixa de cartão. Meio escondida entre os trapos... Mas é ali. Sim!
Recordo-me. Foi ali que os guardei! Arranco a tampa da caixa de cartão preta...
e olho... para o meu futuro glorioso! O meu futuro! O meu coração dispara.
Sinto tanta adrenalina. Tanta... já não penso em mais nada! Só penso em ir ter
com ele. Agarro no frasco branco. Desenrosco a tampa. Eles ainda ali estão...
sorrindo para mim como se soubessem que o encontro era inevitável! Um dia... um
dia... estariam ali para mim. Eles sempre souberam... E eu também. Abro a minha
mão, despejo o frasco. Eles caem atabalhoados na palma da minha mão. Glória,
penso eu! Salvação! Este é o fim de um ciclo. Em nada mais quero pensar! Num
ápice levo a mão à boca. Êxtase! Consegui! Finalmente, consegui! Num primeiro
momento sinto uma doce sensação de alívio. Fecho os olhos. Quero sentir os meus
últimos momentos. Deixo cair o frasco no chão. Dirijo-me em paz para a nossa
cama. É ao teu lado que me quero juntar a ti. Acompanha-me na viagem. Caio na
cama. Já falta pouco... Esboço um último sorriso. Até já meu amor.