terça-feira, 26 de abril de 2016

Capítulo 1 - Intermitências do sonho

Acordo. Procuro novamente o despertador. Vejo que novamente são três da manhã. Mais uma noite a acordar por volta desta infame hora. Que mal fiz eu? Porque tenho de acordar? Porque não posso dormir? Vivo agitada nas intermitências dos meus sonhos. O arrependimento conquistou a minha alma. Vivo inquieta com a cama vazia por não o ter comigo. Não consigo dormir. Sinto falta. Falta de tudo. Do olhar. Do abraço. Da cama quente. Dos corpos suados envolvidos um no outro. Dos lábios. Da amizade. Sinto falta dele.
São várias as noites que me pergunto o porquê. Porquê? Estou inquieta. Não me sinto em paz. Culpo-me pelo resultado. Culpo-me porque podia ter feito mais. Podia ter aguentado. Podia não ter gritado. Podia ter-me entregue mais vezes. Agora que não o tenho... sinto a sua falta. Sinto falta do erotismo... sinto falta da sensualidade... sinto falta quando os seus lábios percorriam o meu corpo e me diziam "eu sou teu". Como eu quero ser tua... Ainda sinto que sou tua! Sofro de arrependimento por tudo o que correu mal. Culpo-me por tudo que não fiz para te ter. Para continuar do teu lado. Para te amar... mais. Quero voltar a sentir. Quero voltar atrás!
Procuro o telemóvel porque preciso de ti. Onde estão as tuas mensagens? Onde está a vontade de me conquistar? Juraste ficar do meu lado, prometeste envelhecer comigo... porque não cumpriste as tuas promessas? Teria dado tudo por ti. Tudo! Teria-me entregado de corpo e alma. Teria-te saciado a fome sempre que quisesses. Teria sido a tua mais que fiel e leal amiga e companheira. Amante. Amante arrebatadora. Mas agora... agora vivo na intermitência do sonho. Não durmo... não como... sinto a vida em suspenso!
Condenaste-me a viver fora de mim própria. Não encontro forma de continuar em frente. Sofro amargamente. Sofro por ti. Pelas tuas lembranças. Sofro porque não tenho aquilo que quero. Só quero poder voltar atrás. Só quero voltar a tocar-te... A passar a mão pelos teus cabelos. A tocar as tuas costas com o meu peito. A cruzar as minhas pernas sobre o teu corpo. A prender-te junto de mim. Quero ser tua. Quero todas as promessas não cumpridas. Quero que voltes. Quero que voltes para mim. Anseio por ti. Todos os dias... em todas as horas... quero tanto ter-te do meu lado. Preciso tanto do toque da tua pele... Quero-te. Quero-te para poder dormir. Quero-te para me sentir completa. Quero-te para me sentir feliz. Viva. Confiante comigo mesma! Dá para entender o quanto sofro por ti? O quanto a tua ausência me destruiu? Quem és tu para teres o direito de me deixar? Quem és tu para teres o direito de me sentenciar? Decides que acabou e acabou mesmo? Decides que queres partir e partes mesmo? Não prometeste que estaríamos juntos para sempre? Não prometeste que eras meu? Só meu? Porque foges então? Cobarde! Porque não respondes? Mentiroso! Traíste-me! Traíste-me!!! Levaste o melhor de mim... Quiseste dar-me tudo e nada me deixaste... Porque me traíste? Porquê!?!? Porque não foste capaz de te despedir? Nem um último beijo... Nem uma última palavra... Porque foste tu tão cruel? Porquê eu... Porquê?
O tempo passa... o relógio tem fome de mim. Da minha alma... Vivo com a mais amarga das penas... Perdi-te. Para sempre. Não mais serás meu. Não mais visitarás esta cama. Não mais segurarás a minha mão e poderás dizer que eu sou tua. Isso tudo acabou... e acabou porquê? Para quê? Tirano! Besta! Mais uma noite em que tu não estás e me fazes chorar... fazes-me chorar... porque não te tenho! Porque já não aguento... porque a dor é tanta que me consome... Preciso de descansar... pelo menos esta noite! São tantas as noites sem dormir... são já muitos os dias sem respirar... sinto-me sufocada. Sufocada na dor! No arrependimento! Porquê eu? Porquê? As lágrimas escorrem-me pela face sem as conseguir controlar. Soluço ao ponto de nem conseguir respirar. Perdi tudo. Tudo! Quando te foste. Não há mais razões para viver. Não consigo viver mais sem ti. Levanto-me da cama. Procuro-te. No escuro, não te encontro. Onde então? Estarás aqui? Será que voltarás? Traidor, responde! Traíste todos os juramentos que me fizeste! Todas as promessas! Todas! Porque és tão cobarde? Porque me enganaste? Onde te escondes traidor? ONDE?! Grito. Depois do grito vem o silêncio... a minha respiração não pára. Sinto-me ofegante. Consumida pela adrenalina. O que quero eu? O que vou fazer? Estou a enlouquecer! O traste levou-me tudo. O safado enganou-me! Maldito sejas homem! Maldito por tudo aquilo que levaste! Até o sono. Até o meu conforto. Nada tenho. Nem o meu bem estar... Porque não me deixas ao menos dormir? Porque invades os meus sonhos... porque sussurras aos meus ouvidos? Porquê?
Deambulo pelo quarto escuro. Procuro acalmar-me. Apenas a luz da lua forte por entre as pesadas cortinas do meu quarto. São elas que forram as minhas janelas. São elas que impedem que veja o mundo. São elas que me impedem de respirar. Preciso de respirar. Preciso de viver! Corro para as cortinas e deito-lhes a mão. Procuro, num ápice, abri-las para te procurar. Quero-te ver uma última vez. Deixa-me dormir hoje em paz. Nada mais peço. Nada mais... deixa-me ficar com as doces lembranças. Deixa-me lembrar-te de quando fazíamos amor. Deixa-me ficar com o sabor da tua língua quando percorrias a minha boca... deixa-me ficar com tudo o que me deixaste de bom... todas as doces memórias... em que todas as vezes me dizias que me amavas... deixa-me ficar com tudo o que me prometeste... deixa-me ser feliz... deixas, meu amor? Por favor...
Agarro-me a mim própria entrelaçando os braços sobre o meu tronco. Sinto a pele fria... as lágrimas escorrem-me pelo rosto. Estou nua em diante de uma janela fria. Só tenho a lua brilhante no horizonte. O vazio é um pesadelo. Estou aqui, pronta para te receber... uma última vez! Não percebes? Não percebes que eu sou tua? Não percebes que eu queria cumprir todas as nossas promessas? Ser feliz contigo? Fazer-te feliz? Dar-te uma família? Porque me deixaste? Porque me abandonaste? Porquê? Porquêeee?!!!!!?
Já se faz tarde... e esta é mais uma noite sem dormir. Não consigo ir trabalhar amanhã. Não consigo reagir como uma pessoa normal. Não consigo pensar! Estou apenas cansada... muito cansada... Não sei se não seria melhor acabar com a minha vida. Já pensei tantas vezes nisso... agora que nada faz sentido... tirando tu. E a tua memória. Quero voltar para ti... quero que voltes para mim... mas como? Como podes voltar para mim? Quando foste tu que partiste... Que me deixaste... preciso de ti tanto... mas tanto... e tu... que me abandonaste... pensaste nestas consequências? Pensaste que poderias afetar-me assim tanto? Este devia ser o teu plano! Lá por não seres feliz... lá por não te sentires feliz comigo... havia direito em acabares com a tua vida!? Porque te deixaste levar? Porque bebeste naquela noite? Porque te meteste dentro de um carro que acabaria com o nosso futuro? Não bastou acabares com a tua vida... terias também de acabar com a minha? Choro... mais uma vez... choro compulsivamente. Não consigo dormir. Preciso de ajuda. Começo a remexer em tudo. Onde estão? Onde estão? Preciso deles. Sinto-me desesperada. ONDE ESTÃO!?!?
Grito. Exteriorizo a minha dor. Sinto-me louca. Procuro desesperadamente a saída para a minha dor. Procuro a salvação. Remexo, abro, fecho, reviro todas as gavetas do meu quarto. Eles estão escondidos. Desde a última vez... eles estão escondidos. Eu sei que sim... Eu escondi-os de mim. Porque na última vez foi por um triz. Foi mesmo. Mas agora preciso deles. É desta. Acabou-se tudo. Eu quero-os tanto. Quero-os tanto como te quero a ti. Sempre te quis muito. Muito! E agora quero-te mais. Quero ir para junto de ti. Ajuda-me meu amor... ajuda-me... acaba com a minha agonia! Eu sei que os escondi... mas onde? Eu estava tão bêbeda... bebi tanto naquela noite... queria esquecer-me de tudo... de tudo... e bebi... bebi... e só pensava em tomá-los a todos. Um a um... ou de mão cheia... mas não fui capaz... num último rasgo de consciência sei que agarrei neles e os guardei! Mas onde? Onde os guardei? Porque não me lembro agora? RAIOS!!!! A minha vida não presta.... que merda de cabeça a minha! Porque bebi tanto naquela noite? Porque tive de acabar a garrafa? Onde estão? Aqui? Não, não, não... aqui já vi... ainda à instantes! Já sei onde! Já sei onde! Só podem estar... só podem estar junto das coisas dele! Meu amor... ai meu amor! Eu vou já ter contigo. Estou decidida! É hoje. A minha agonia vai terminar.
Dirijo-me ao guarda-fato. Sinto a minha pele arrepiada da excitação. Ou será do frio? Não sei. Não quero saber. Mas ligo a luz do quarto. Vislumbro a cama vazia outra vez. Olho-me ao espelho partido por cima da minha cómoda. Ali me vi... tantas vezes... com ele. Abraçando-me. Dizendo que nada me faltaria. Que eu era dele. Que ele era meu. Tantas vezes me vi ali. Com ele. Dois corpos nus enrolados na cama. Celebrando. Celebrando um amor perfeito. E agora nada... nada... Apenas o vazio. Apenas o vazio e eu. Uma alma errante num corpo débil... com as marcas de quem já se cortou... Com as marcas das feridas de quem já perdeu o peso que podia ter perdido. Não me conheço. Também já não importa. Levaste-me tudo quando partiste. Levaste-me o orgulho. Levaste-me a minha alma. Levaste-me tudo... e apenas me deixaste a dor. A dor do vazio e da ausência. Porque fui tão estúpida? Porquê? Culpo-me tanto... tanto... tu eras tudo para mim. Mas vai terminar agora. Eu sei onde eles estão!
Estico o braço. Abro as portas. Vislumbro a caixa de cartão. Meio escondida entre os trapos... Mas é ali. Sim! Recordo-me. Foi ali que os guardei! Arranco a tampa da caixa de cartão preta... e olho... para o meu futuro glorioso! O meu futuro! O meu coração dispara. Sinto tanta adrenalina. Tanta... já não penso em mais nada! Só penso em ir ter com ele. Agarro no frasco branco. Desenrosco a tampa. Eles ainda ali estão... sorrindo para mim como se soubessem que o encontro era inevitável! Um dia... um dia... estariam ali para mim. Eles sempre souberam... E eu também. Abro a minha mão, despejo o frasco. Eles caem atabalhoados na palma da minha mão. Glória, penso eu! Salvação! Este é o fim de um ciclo. Em nada mais quero pensar! Num ápice levo a mão à boca. Êxtase! Consegui! Finalmente, consegui! Num primeiro momento sinto uma doce sensação de alívio. Fecho os olhos. Quero sentir os meus últimos momentos. Deixo cair o frasco no chão. Dirijo-me em paz para a nossa cama. É ao teu lado que me quero juntar a ti. Acompanha-me na viagem. Caio na cama. Já falta pouco... Esboço um último sorriso. Até já meu amor.

Sem comentários:

Enviar um comentário